Não consentem os deuses mais que a vida
Tudo pois refusemos, que nos alce
A irrespiráveis píncaros
Perenes sem ter flores
Só de aceitar tenhamos a ciência
E, enquanto bate o sangue em nossas fontes
Nem se engelha connosco
O mesmo amor, duremos
Como vidros, às luzes transparentes
E deixando escorrer a chuva triste
Só mornos ao Sol quente
E reflectindo um pouco

Como se cada beijo
Fora de despedida
Minha Cloé, beijemo-nos, amando
Talvez que já nos toque
No ombro a mão, que chama
À barca que não vem senão vazia
E que no mesmo feixe
Ata o que mútuos fomos
E a alheia soma universal da vida

Esse ritmo das ninfas repetido
Quando sob o arvoredo
Batem o som da dança
Vós na alva praia relembrai, fazendo
Que escura a espuma deixa; vós, infantes
Que inda não tendes cura
De ter cura, responde
Ruidosa a roda, enquanto arqueia Apolo
Como um ramo alto, a curva azul que doura
E a perene maré
Flui, enchente ou vazante

Ponho na altiva mente o fixo esforço
Da altura, e à sorte deixo
E as suas leis, o verso
Que, quando é alto e régio o pensamento
Súbdita a frase o busca
E o escravo ritmo o serve

Composição: Fernando Pessoa