395px

Carta N°4

MC Sid

Carta N°4

Meu nome é Carlos Augusto Migliaccio
Também conhecido como Migli
Apelido que minha mãe me deu
Hoje me encontro aqui, mutilado, traumatizado e viciado
E posso afirmar com 100% de certeza que a culpa é do mundo
Dessas crianças ruins, desses pais machistas
Das instituições abusadoras e dessa guerra falsa às drogas
Hoje eu vi um casal passeando com um filho na frente da minha casa
E decidi acabar com tudo isso
Pelo simples fato de que eu não vejo futuro

Eu não me vejo casado, não me vejo sendo pai
Também não me vejo bem sozinho
Não me vejo fazendo parte dessa sociedade
Que fez de tudo para me excluir
Dessa maldita sociedade que só dá atenção à saúde mental em setembro
A parte trágica de tudo isso
É que as mesmas pessoas que me fuderam
Estão nas redes sociais fingindo que se importam
Obrigado mãe, por tudo que você tentou
E obrigado ao meu psicólogo, que fez tudo o que pôde

Admito que isso me acertou de um jeito delicado
Eu jurei que conseguiria ajudá-lo
Ele viveu num inferno por muito tempo
Eu temia que isso mataria ele por dentro
No início ele ainda tinha brilho no olhar
Falava muito em mudar, crescer, melhorar
Ver a vida por outro lado, buscar novas experiências
A tendência era ele se encontrar
No final o discurso já era outro
Falava em concluir tudo, não em tentar de novo

Falava que 'tava cansado
E eu conseguia sentir todo esse cansaço na voz dele
Eu tentei tudo que 'tava ao meu alcance, o que eu encontrava
Mas eu me via em tanta coisa, isso me limitava
Tipo, que merda de mundo é esse?
Eu sempre me perguntava, esse cara
É inacreditável que alguém passe por uma dessas coisas sequer
Seja homem ou mulher, seja preto ou seja branco
A depressão leva ao mesmo final
E o foda é que ela vem de todo canto

Como podem pais serem ausentes ao ponto de não ver
O seu filho deprimido? Ou pior
Como podem ser ausentes ao ponto de não ver
Que seus filhos deprimem os outros pra suprir o seu vazio existencial?
Se ele fosse aceito no ensino fundamental
Talvez ele não tivesse vivido esse inferno astral (é verdade)
Se as crianças da escola soubessem quem ele era por dentro
Teriam se apaixonado por ele
Um menino atencioso, tão carinhoso
Mas só sabia demonstrar as coisas do jeito dele
A merda do mundo criou o pai dele agressivo
Ele chorava por não ter forças, mas quem teria?
Como ele encontraria a força se nem a conhecia?

Eu tentei mostrar que ele não tinha culpa, mas eu não conseguia
Quando ele me contou que 'tava cheirando
Eu fiquei triste, mas sabia o porquê
Aquilo trazia a força que ele não tinha
Ou melhor, que o mundo nunca deixou ele ter
Quando a mãe dele me ligou chorando
Na hora eu sabia que ele tinha se matado
E quando a mãe dele disse que ele deixou quatro cartas
Eu já sabia exatamente o que ele tinha anotado
Às vezes me sinto amarrado, incapacitado
Lidar com esse assunto é tão delicado
A gente acha que o filme vai ter um final feliz
Mas a real é que o roteiro é improvisado
Entre a vida e a morte, a depressão é só um elo
E só debatem isso no Setembro Amarelo
E mesmo tendo só um mês pra falar sobre depressão
'Cês escolheram falar de Luísa e de Vitão

Todo mês de janeiro morre um Migli
Fevereiro também
Março idem
Abril mais um
Maio mais três
Junho mais cinco
Em julho mais dez
Em agosto mais vinte
Setembro falamos um pouco sobre
Outubro esquecemos e morrem mais 100
Novembro já não consigo mais ter a conta
Dezembro é só luto quando o ano-novo vem

Eu não acho que depressão seja um problema pessoal
É um problema social
Mas ninguém tem tempo ou empatia pra ser parte dessa solução
Acham que vão mudar o mundo na internet, escrevendo um textão
Ou você é parte do problema, ou da solução do mundo
E a pergunta é
Eu vou ter que ver mais quantos defuntos
Até vocês aceitarem que tem que dar atenção pra essa porra desse assunto?

Ao longo da minha carreira
As pessoas sempre trouxeram histórias como a do Migli pra mim
Depressão, abuso, violência e drogas
E com o passar dos anos eu fui vendo
A necessidade de fazer esse projeto
Saiba que você não tá sozinho nessa, irmão
Saiba que você não está sozinha nessa, irmã
Sempre existe uma saída
E arte é uma delas
Sinta-se bem vindo, sinta-se bem vinda
Maldita grande mídia, nunca ajuda em nada
E eu tive que pagar essa conta sozinho
Se vocês não tivessem se aberto comigo
E contado as histórias de vocês
Definitivamente eu não me encontraria aqui

Carta N°4

Mi nombre es Carlos Augusto Migliaccio
También conocido como Migli
Apodo que mi madre me dio
Hoy me encuentro aquí, mutilado, traumatizado y viciado
Y puedo afirmar con 100% de certeza que la culpa es del mundo
De estos niños malos, de estos padres machistas
De las instituciones abusadoras y de esta falsa guerra contra las drogas
Hoy vi a una pareja paseando con un hijo frente a mi casa
Y decidí acabar con todo esto
Por el simple hecho de que no veo futuro

No me veo casado, no me veo siendo padre
Tampoco me veo bien solo
No me veo formando parte de esta sociedad
Que hizo todo para excluirme
De esta maldita sociedad que solo presta atención a la salud mental en septiembre
La parte trágica de todo esto
Es que las mismas personas que me jodieron
Están en redes sociales fingiendo que les importa
Gracias mamá, por todo lo que intentaste
Y gracias a mi psicólogo, que hizo todo lo que pudo

Admito que esto me golpeó de manera delicada
Juré que podría ayudarlo
Él vivió en un infierno por mucho tiempo
Temía que eso lo mataría por dentro
Al principio aún tenía brillo en los ojos
Hablaba mucho de cambiar, crecer, mejorar
Ver la vida desde otro ángulo, buscar nuevas experiencias
La tendencia era que se encontrara a sí mismo
Al final el discurso era otro
Hablaba de terminar todo, no de intentarlo de nuevo

Decía que estaba cansado
Y podía sentir todo ese cansancio en su voz
Intenté todo lo que estaba a mi alcance, lo que encontraba
Pero me veía reflejado en tantas cosas, eso me limitaba
¿Qué mierda de mundo es este?
Siempre me preguntaba, este tipo
Es increíble que alguien pase por una de esas cosas siquiera
Sea hombre o mujer, sea negro o blanco
La depresión lleva al mismo final
Y lo jodido es que viene de todos lados

¿Cómo pueden los padres ser tan ausentes al punto de no ver
A su hijo deprimido? ¿O peor aún?
¿Cómo pueden ser tan ausentes al punto de no ver
Que sus hijos deprimen a otros para llenar su vacío existencial?
Si hubiera sido aceptado en la escuela primaria
Quizás no hubiera vivido ese infierno astral (es verdad)
Si los niños de la escuela supieran quién era por dentro
Se habrían enamorado de él
Un niño atento, tan cariñoso
Pero solo sabía demostrar las cosas a su manera
La mierda del mundo creó a su padre agresivo
Lloraba por no tener fuerzas, pero ¿quién las tendría?
¿Cómo encontraría la fuerza si ni siquiera la conocía?

Intenté mostrarle que no tenía la culpa, pero no podía
Cuando me contó que estaba inhalando
Me entristecí, pero entendía por qué
Eso le daba la fuerza que no tenía
O mejor dicho, que el mundo nunca le permitió tener
Cuando su madre me llamó llorando
En ese momento supe que se había suicidado
Y cuando su madre dijo que dejó cuatro cartas
Ya sabía exactamente lo que había escrito
A veces me siento atado, incapacitado
Lidiar con este tema es tan delicado
Pensamos que la película tendrá un final feliz
Pero la realidad es que el guion es improvisado
Entre la vida y la muerte, la depresión es solo un eslabón
Y solo debaten esto en el Setiembre Amarillo
Y aunque solo tengan un mes para hablar de depresión
Ustedes eligen hablar de Luísa y de Vitão

Cada enero muere un Migli
Febrero también
Marzo igual
Abril uno más
Mayo tres más
Junio cinco más
En julio diez más
En agosto veinte más
En septiembre hablamos un poco sobre
En octubre olvidamos y mueren cien más
En noviembre ya no puedo contar más
Diciembre es solo luto cuando llega el año nuevo

No creo que la depresión sea un problema personal
Es un problema social
Pero nadie tiene tiempo o empatía para ser parte de la solución
Creen que van a cambiar el mundo en internet, escribiendo un testamento
O eres parte del problema, o de la solución del mundo
Y la pregunta es
¿Tendré que ver cuántos muertos más
Hasta que acepten que tienen que prestar atención a esta maldita cuestión?

A lo largo de mi carrera
Las personas siempre me trajeron historias como la de Migli
Depresión, abuso, violencia y drogas
Y con el paso de los años fui viendo
La necesidad de hacer este proyecto
Sepan que no están solos en esto, hermano
Sepan que no están solas en esto, hermana
Siempre hay una salida
Y el arte es una de ellas
Siéntanse bienvenidos, siéntanse bienvenidas
Maldita gran prensa, nunca ayuda en nada
Y tuve que pagar esa cuenta solo
Si ustedes no se hubieran abierto conmigo
Y contado sus historias
Definitivamente no estaría aquí

Escrita por: Mc Sid