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Boca pouca

Rebeca Matta

Pensando bem já estava tudo dado,
tudo estava escancarado e a gente nem notou.
A vida tão simples crescendo
misteriosamente, como numa mágica fascinante.
Toda hora as coisas vão passando,
dando seqüência ao movimento, de mais um dia, de mais um dia na memória,
no coração, de mais um dia no coração do tempo.
Dias de glória, alguns dias de dor, outros dias de mais calor ou de muita chuva que nos provocam, que jogam fogo e na fogueira nos atiçam pra dançar, uma dança assim que vem de dentro, que não importa ter início, nem ter fim. Que continua sempre sem parar, pelo meio ou pela beira dos abismos que oferecem outros tantos, tantos caminhos.
Levantando a poeira dessa dança que o vento produziu, ao conduzir os pés, as mãos e o coração e dançando vai rodando com magia, como um par tão precioso e imprevisto, que se joga e nos leva encantando na dança do tempo.

A minha boca ainda é pouca pra tudo o que eu desejo,
mas basta a cada dia morder alguma coisa diferente
pra que eu possa mandar bem, pra que eu possa me dar bem.

Pensando bem já estava tudo dado, estava tudo escancarado,
a gente quase nem notou numa noite qualquer,
nas ruas de asfalto alguns homens caminhavam, os edifícios altos desnudados pelas luzes que a cidade inventou piscavam.
Você e eu, andando por aí, a gente pode se bater e pode nunca se encontrar, estamos todos tão ligados e essa linha invisível que aproxima tudo e todos e nos deixa tão distantes ao mesmo tempo... Ao mesmo tempo, os carros passando, as pessoas que se olham e quase sempre nem se vêem, as armas apontadas vão vencer porque há medo e aflição,
as TVs são as granadas que invadem o tempo todo nossas casas.
As vozes, doces vozes que vêm e vão, buzinam, se confundem com o som dos pássaros e de passos no chão. São parte dessa sinfonia bela de tão louca, exuberante, que penetra em nossas almas, não se cansa de tocar.

A minha boca ainda é pouca pra tudo o que eu desejo,
mas basta a cada dia morder alguma coisa diferente
pra que eu possa mandar bem, pra que eu possa me dar bem.

A minha boca ainda é pouca pra tudo o que eu desejo,
Mas basta...


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