O Espelho
João de Almeida Neto
O cego olhar do Narciso
De sonhos tão desparelhos
Não vê que o tempo preciso
Envelheceu os espelhos
Então procura incontido
No aço frio sua calma
Sem ver que está refletido
No próprio avesso da alma
A vida sempre repete
Uma ironia em seus trilhos
E o velho espelho reflete
A juventude dos filhos
O tempo pesa nas costas
Lhe dando exemplos também
Um novo espelho que mostra
As fundas rugas que tem
Assim o tempo lhe espreita
Mandando invernos ao vê-lo
E quanto menos aceita
Mais perde a cor dos cabelos
O olhar se faz insensato
Talvez perdido de frio
Busca se ver nos retratos
Deixando o espelho vazio
Tal fosse um poço sentido
Que mostra o homem com sede
Um outro mundo perdido
Que vive atrás da parede
O espelho guarda os lamentos
Que o homem velho lhe faz
Numa janela que o tempo
Não abre nunca pra trás
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